Faleceu na última sexta-feira, 16 de
setembro, o - pode-se dizer - exorcista mais famoso do mundo: Padre
Gabriele Amorth. Tal fama se deve a uma soma de fatores, dentre os quais
podemos citar a grande curiosidade relacionada à figura do exorcista provocada
pela multiplicação de filmes que tratam do assunto associada ao fato de Padre
Amorth ser o exorcista da Diocese de Roma (portanto chamado "o exorcista
do Vaticano"), fundador e presidente honorário da Associação Internacional
dos Exorcistas além de autor de dezenas de livros sobre o tema com milhões de
cópias vendidas em todo o mundo.
Em respeito a este grande sacerdote e
figura emblemática da batalha entre a Igreja de Deus e os poderes das trevas,
reproduzimos abaixo o ótimo texto de autoria do Jorge Ferraz (do site
"Deus lo Vult").
Requiem aeternam dona eis domine et lux
perpetua luceat eis
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A MORTE DE UM EXORCISTA
O recente falecimento do pe. Gabriele Amorth pegou-me de
surpresa. Sim, o velho exorcista já contava com 91 anos e, nesta idade, a
morte não é propriamente um acontecimento inesperado; a manchete, no entanto,
mostrou-me o quão pouco eu estava acompanhando as notícias a respeito dele. Não
sabia que estava doente, aliás nem me lembrava ao certo da idade dele. Na
sexta-feira passada, no entanto, ele deixou o campo de batalha terreno para nos
ajudar lá do Alto, onde agora pode mais junto a Deus.
Há um mau hábito — já devo ter falado
dele em algum momento por aqui — no Catolicismo contemporâneo de ser muito
condescendente para com as imperfeições alheias, principalmente no que diz
respeito à tendência de conceder uma imediata ascensão aos Céus às almas
daqueles que minimamente admiramos. Todo mundo ésanto sùbito,
toda morte é entrada gloriosa no Paraíso. Esquecemo-nos do Purgatório — e isso
pode até ser falta de caridade de nossa parte, na medida em que nos
sentimos desobrigados de rezar pelas almas daqueles que já
consideramos salvos. Esquecemos do Purgatório e queremos que todos os nossos
mortos estejam, desde já, desde o instante seguinte à morte, gozando da
Bem-Aventurança dos eleitos de Deus.
Ainda assim, eu
disse acima que o pe. Amorth já agora estava nos ajudando de junto de Deus.
Justifico. Em primeiro lugar, o venerável sacerdote chegou a uma avançada
idade, e isso significa duas coisas. Primeiro que não foi apanhado de surpresa
pela Morte; segundo, que pôde padecer os sofrimentos próprios da velhice em
expiação pelas próprias faltas e em preparação para o Dia sem ocaso. Muitas
pessoas acham que a melhor morte é aquela que nos chega sem que percebamos; o
famoso “ir dormir e acordar morto”. Não vou dizer que este seja uma má morte
(até porque a morte ser boa ou má depende essencialmente das disposições
interiores em que nos encontramos no instante derradeiro, e não de ela ser mais
demorada ou mais lenta, mais consciente ou mais súbita); mas se trata,
parece-me, pelo menos de uma morte arriscada. As pessoas perderam o hábito de
pensar na morte e, com isso, a morte repentina, de um mal súbito, ou a morte em
um acidente, podem chegar sem que a casa esteja devidamente preparada, sem que
as disposições interiores estejam suficientemente lapidadas, sem que a alma
esteja pronta, em suma, para se encontrar com Deus e com os pecados de toda uma
vida.
A morte na velhice,
após uma doença mais ou menos longa, é o contrário. A Inimiga das Gentes vem
devagar, vem anunciando a própria presença, vem a passos lentos — e, com isso,
dá mais tempo para que nos preparemos. Podemos fazer um demorado exame de
consciência; podemos suplicar mais demoradamente o perdão e a misericórdia de
Deus. Podemos nos confessar, receber a Extrema Unção e o Viático; podemos até
mesmo oferecer os inconvenientes da doença, os achaques, o medo, as
dores — os sofrimentos todos em suma — em expiação pelas
nossas faltas. Li que o pe. Amorth expirou após algumas semanas internados em
um hospital; quero crer, portanto, que ele tenha sabido aproveitar todas essas
oportunidades de apressar a própria chegada no Céu.
Uma segunda
razão pela qual imagino que o pe. Amorth esteja junto de Deus é o ofício
ao qual ele dedicou a própria vida. Não foi apenas sacerdote (como se isso
fosse pouco), mas sim sacerdote e exorcista. Foi nesta terra inimigo ferrenho
de Satanás, lutando corajosamente contra ele exatamente naqueles aspectos em
que a presença demoníaca no mundo é mais forte e mais perturbadora:
a obsessão, a infestação, a possessão. O mundo moderno vive em uma crise
de Fé que, se muito esquece de Deus, muito mais esquece do Diabo; esta
figura é muitas vezes relegada à superstição medieval, à ignorância de um
passado obscuro, a concepções maniqueístas primitivas que não encontram mais
lugar em um mundo onde Deus é Amor.
Ora, mas Deus sempre foi Amor; Deus é
Amor desde a criação dos Anjos e a Queda de Lúcifer, e uma coisa não tem nada a
ver com a outra. Satanás não é um “deus do mal”, mas isso não significa que não
seja uma criatura capaz de fazer muito mal. Há entre os homens ladrões e
assassinos, sádicos e estupradores, salteadores e bandidos de todos os naipes;
a quantidade de mal que o homem tem provocado ao próprio homem é enorme e
capaz de assombrar por toda uma vida aqueles que dela tenham ainda que um
pálido vislumbre. Senão vejamos: se os homens podem causar mal uns aos
outros sem que isso seja um óbice à existência de um Deus que é Pai Amoroso,
por que um anjo não poderia também provocar o mal aos filhos de Deus sem que
isso minimamente maculasse a Onibenevolência do Altíssimo? Não há maniqueísmos
dentro da Doutrina Cristã e nunca os houve; não há um deus mau ao lado do Deus
que é Bom. No entanto, o mistério da liberdade que permite a existência do mal
moral dentro do mundo criado não se restringe apenas aos seres humanos. Também
os anjos têm inteligência e vontade, também eles são seres livres, também podem
fazer o mal. Satanás não é uma hipótese ingênua e contraditória com a
noção de um Deus sumamente bom, pelo menos não mais do que um estuprador ou um serial killer. Na verdade é o contrário: ingenuidade
é imaginar que, havendo ladrões e assassinos no mundo, não pudessem existir
também seres angélicos voltados à prática do mal.
O pe. Amorth foi
inimigo ferrenho de Satanás nesta terra, eu dizia, e venceu-o por incontáveis
vezes, e por isso eu também quero acreditar que Deus o tenha levado depressa
para os Céus; pode ser sentimentalismo, mas acho que não convém que aquele que
foi inimigo aberto do Demônio no mundo tenha a sua entrada no Céu postergada
por causa de algum apego de sua alma aos pecados que nada mais são do que as
obras do mesmo Satanás que ele dedicou a vida a combater. Mas há ainda uma
terceira razão. É que o tempo e a Eternidade relacionam-se de maneira, digamos,
curiosa: aqui a história se desenrola de maneira sequencial mas, lá, é tudo já
e(vi)terno.
O padre Pio certo dia rezava pelo seu
avô. “Mas padre, o senhor não disse que ele já estava no Céu?”, um amigo
perguntou; “sim, está, mas as orações que eu fiz por ele até hoje e as que eu
ainda farei até o fim da minha vida o ajudaram a chegar lá”. O John McCaffery registrou a história em seu livro de memórias,
e compreendê-la ajuda a contemplar melhor o mistério da Comunhão dos Santos. O
Céu já está completo enquanto a História se desenrola; e por mais tempo que uma
alma justa tenha passado no Purgatório, já agora ela está no Céu, já agora ela
pode interceder por nós.
É com este ânimo
que olho para o pe. Amorth e quero já vê-lo em esplendor — o velho
guerreiro revestido de suas armas gloriosas, impingindo já a Satanás maiores
tormentos do que nos mais formidáveis exorcismos que ele exerceu durante a sua
vida…! Que assim seja. Que o bom Deus olhe com misericórdia para o seu pobre
servo e lhe dê o descanso eterno, a luz e a paz. E que, do alto dos Céus, o
padre Gabriele Amorth continue a fazer guerra terrível contra todos os
espíritos malignos que andam pelo mundo para perder as almas.
Fonte: Deus
lo Vult
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